A curiosidade é uma característica humana. Bem orientada, é um saudável motor de aprendizagem e de crescimento. É, por isso, quase inevitável que qualquer praticante de Aikido, depois de um período inicial dedicado principalmente a perceber ao certo se é mesmo Aikido que quer fazer, acabe por sentir vontade de aprofundar os seus conhecimentos para lá das aulas regulares. É típica a pergunta sobre que livros ler, ou que coisas de interesse poderá encontrar online e que permitam levar mais longe os conhecimentos recebidos durante as duas ou três horas semanais de prática. O passo seguinte será a curiosidade de saber como ensinam outros professores, o que dizem, que diferenças existem entre o que aprende no seu dojo e o que se passa noutros.
Este último passo é frequentemente fonte de equívocos ou até de conflito, seja ele expresso ou não. Muitas vezes o aluno sente que poderá estar a trair a confiança do seu professor, outras vezes poderá ser o professor a, por alguma razão, sentir-se ofendido pela curiosidade do seu aluno. Haverá razão para a existência destes desencontros?
Comecemos por uma análise de tipo pedagógico. Seja no Aikido, seja em qualquer outra área de estudo, é evidente que não é vantajoso para um principiante andar a saltar de escola em escola, de professor em professor. É mais certo que se perca, que se baralhe e que faça a maior das confusões, com informações de natureza diversa, transmitidas por pessoas com diferentes níveis de conhecimento, orientações e características pessoais distintas. Mais ainda no caso do Aikido, que envolve um certo grau de risco físico que, sendo muito pequeno quando o corpo e a técnica estão razoavelmente dominados, é maior no início quando os primeiros passos estão a ser dados. Será, portanto, obrigação do professor responsável alertar os praticantes para as vantagens de, no início da sua aprendizagem, o aluno seguir uma linha coerente. Claro que o interessado em começar a sua prática tem todo o direito, diria mesmo a vantagem, em experimentar mais do que um local de ensino até se decidir onde ficará, mas essa é uma situação prévia a tudo o resto.
Na fase em que o aluno já tem um bom domínio da arte que pratica, não considero que haja qualquer problema em que vá a de vez em quando a uma aula noutro dojo, a um estágio de outra associação, a um workshop orientado por outro professor. Só terá a ganhar em perceber a riqueza que é a diversidade de pontos de vista e, havendo uma relação franca entre alunos e professores, em discutir e analizar com o seu instrutor aquilo que experimentou noutro lugar.
Numa fase ainda mais tardia, se o praticante começa a ter vontade de dar aulas, não só considero benéfico alargar horizontes, como acho mesmo que tem a obrigação, para com os seus alunos, de se formar e informar. Manter-se no seu mundo fechado, satisfeito com as conclusões a que chegou (ou a que alguém chegou por si) parece-me a receita perfeita para a estagnação e, a prazo, para a desmotivação.
Acreditando eu que é assim de um ponto de vista estritamente pedagógico, penso ao mesmo tempo que a escolha de um dojo e de um professor deverão ser um acto voluntário de adesão a um tipo de ensino e uma dinâmica de grupo específicas. Ou seja, e em linguagem mais popular, o praticante tem que saber o que quer. O par ensino/aprendizagem funciona bem se corresponder a um processo de troca. O professor terá que ser tão generoso na transmissão dos conhecimentos que tem, quanto o aluno mostrar vontade e capacidade de aprender. A adesão sincera, de parte a parte, a esta relação, fará afinal a diferença entre um aluno ou um “frequentador” de aulas, entre um professor e um mero prestador de serviços. Este último, detentor evidentemente da maior experiência, terá a capacidade de analizar as motivações do praticante diante de si e não deverá portanto ver as visitas dos seu alunos a outros dojo como uma falta de respeito. Um praticante consciente saberá distinguir os planos; saberá estabelecer a diferença entre um professor e “o seu professor”. E se um dia, fruto da sua procura, decide que gostaria mais de praticar sob a orientação de outro instrutor? Está no seu direito e, se a mudança for feita com o respeito devido a quem deu o melhor para o ensinar, não há motivo para melindre.
Por parte dos professores, há por vezes uma grande resistência em aceitar a liberdade de movimentos dos seus alunos. Isto acontece, quanto a mim, por dois motivos principais: ou uma visão do mundo e das artes marciais modernas a meu ver errada, ou uma insegurança pessoal que leva a ler como um ataque ou uma deserção cada movimento dos seus alunos fora do grupo de trabalho habitual. Devemos nós, professores, fazer um esforço por não cair em nenhuma destas duas situações.
Vivemos no século XXI, numa época em que a informação chega a toda a gente em quantidades nunca vistas ao longo da história, uma realidade que os fundadores das artes marciais modernas não conheceram nem da qual suspeitavam. Mesmo que no seu tempo a regra fosse a “fidelidade para a vida” a um professor ou a uma escola (realidade da qual duvido) tal não é pura e simplesmente possível de impôr nos dias de hoje. A fidelidade a uma linha de ensino, a existir, terá que resultar de uma adesão voluntária e não de uma obrigação. Uma fidelidade fruto da liberdade e não de um constrangimento. E, afinal, se um aluno decide iniciar uma nova etapa da sua prática junto de outros e isso corresponde à sua vontade, não é melhor para o professor que tal aconteça em vez de ter junto de si um praticante com reserva mental?
Contra a insegurança é bastante mais difícil lutar, até porque é muito natural no início da carreira de um professor. A vontade de agradar e cativar os alunos, de sentir que o que se lhes transmite é fonte de prazer, aliada à falta de guias e conhecimentos pedagógicos que só a experiência traz, são fonte de insegurança para uma grande parte dos professores iniciados (arriscaria dizer a maioria). Com o passar do tempo, o mais natural é que a confiança no que se ensina e como se ensina ocupe o lugar dos medos. É desejável que assim seja pois só dessa forma o professor poderá ter do seu próprio ensino a imagem de um todo coerente e, logo, acreditar naquilo que faz. Se assim for, não haverá medo de perder praticantes, pois saberá que quem está diante de si, está porque quer e gosta do que aprende.
João Tinoco